quinta-feira, 1 de novembro de 2012

A vida que se faz na noite

Recebeu um sms às 7 da noite, deitada no sofá, nem deu bola, estava fora de si 'como ela pode ter a cara de pau de continuar o fingindo que se importa?'

Não estava conseguindo se segurar, mãos tremulas e os pensamentos voando. 

Durante o reclame, mudou tanto de canal que se perdeu em um flash no tempo, aquela velha ideia de precisar ou não de um pacote de tevê pago 'não, você não precisa disso, é perca de dinheiro, compre um livro' , ela dizia. Já estava aos prantos, 'vadia'.

Na cozinha não conseguia manter o controle, o cheiro do café não era forte o suficiente pra dar um soco na cara e faze-la voltar à realidade 'café, tomo para dormir bem'. E as lágrimas que estavam entaladas desde a noite anterior, resolveram tomar vida. Como rios, deslizavam abaixo.

Com uma xícara na mão, depois te tantas já no chão, em cacos, saiu rastejando a alma em tristezas e loucuras. Blusa preta na cadeira da direita, uma toalha por cima. A noite em que deixaram as peças por lá foi-se. Quente. Quente como sempre foram. Intensamente, 'eternamente', juraram. Brigas quentes seguidas de beijos quentes em noites perfeitas.

Em cada canto daquela casa havia um pouco do amor que ali acontecia.

Quadros, porta-retratos quebrados, mas mantidos nos mesmos lugares. O bonsai de jabuticaba na frente do videogame, até foi motivo de briga. Assim como todo o resto. Tanto tapete da sala e escada da frente pra ser testemunha.

Casa grande com sentimento de falta de ar.

O celular vibrou, já era tarde. Três e tanto tempo passado em lembranças. Não estava pronta, mas leu a nova mensagem. 'minha bunda está quadrada, a guia da tua calçada é dura demais, não volto mais não'.



Da janela dava pra ver o buquê de flores, propositalmente, esquecido (ou deixado) por lá. Sim, rosas vermelhas, muito piégas. Ao amor piégas.

A moça sem nome sentou-se ao lado do buquê e, por um momento, desejou que sua amada a estivesse observando. Com braços machucados pelos espinhos, 'um mal necessário'. Apesar da dor, eram rosas. Apesar de tudo, era a sua menina. 'vou sentir falta até das nossas brigas antes de deitarmos'.

'eu também'



Foi no olhar. Com o corpo que se entendem. Só isso para explicar o que essas duas vivem.

Os beijos tornaram qualquer motivo de briga irrelevante, se é que havia uma briga. São peças de um quebra-cabeças que elas mesmas inventaram, e a cada dia encontram um encaixe novo... ou melhor, a cada noite. E estão bem assim, vendo de fora, diria até que são felizes.




(Contribuição para a Corrente Literária "O que a noite nos reserva?")


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