quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O tempo está para quem o percebe

Para quem está com fome, a chegada do almoço após um longo período matutino de trabalho é demorada demais. Para quem está com vontade de ir ao banheiro, a volta pra casa parece uma eternidade. Para quem está com sono, aquela aula de filosofia no fim da noite de sexta-feira parece que nunca vai acabar. Para quem está com saudade, um hora esperando é de arrancar o coração. Para quem está no elevador com um estranho, a ida até o seu andar parece ser uma viagem até a lua. Para quem aguarda uma mensagem importante, um minuto faz muita diferença. Para quem está em uma luta, um round dura uma vida inteira. Para quem está na fila para conseguir um transplante, cada dia é uma batalha. Para quem é assalariado, o dia 5 deveria chegar mais cedo. Para quem vive a mil por hora, o farol de trânsito é um atraso de vida. Para quem escreve, conseguir chegar no fim do texto com a ideia concluída é como correr uma maratona.


Mas uma maratona não dura tanto assim para quem se preparou durante grandes períodos. Um fim de semana não dura tanto para quem esperou a semana inteira. Uma festa de aniversário pode até não compensar o ano de ansiedade. O sabor do beijo não fica guardado por tanto tempo, dura pouco como um abraço antes da aula. Aquele filme preferido não dura pra sempre, e toda música tem o fim muito antes do desejado. O cheiro de gasolina dura apenas um momento, junto com o cheiro de grama recém cortada. O cheiro de sexo num quarto fechado, do perfume de quem a gente ama e da macarronada na casa da vó. Um show muito aguardado acaba rápido demais, na mesma proporção para uma leitura gostosa com um carinho na nuca. Bateria de celular também não dura muito, está na lista do tic-tac, balinhas da garoto, M&M e a chuva de verão no fim da tarde. Aliás, tem tardes que não deveriam ter fim, são aquelas que, de tão gostosas, voam em minutos! Aquelas acolhedoras que nos fazem deitar num banco e receber agrados e mimos. O crepúsculo também dura menos do que o que poderia ser considerado satisfatório, na beira do lago então, nem comentarei.

Sorrisos e amizades já duraram mais, talvez tornaram-se descartáveis (há exceções). Amores já foram eternos, hoje duram duas noites. Acostumei-me com coisas não duráveis e coisas findáveis até me deparar com o conhecimento. Deve ser uma das únicas coisas que não acabam. Aprendi coisas, concluí coisas e percebi que tudo dura apenas o tempo suficiente para tornar-se inesquecível.


Contribuição para a Corrente Literária "O que dura pouco para você?"

5 comentários:

  1. Tenho um problema tão grande em comentar algo nas suas postagens e nas do Marcelo. Não precisa de nada, o texto fala por sí. Incrível, Mica. Sempre incrível.

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  2. Concordo com Laura, te comentar é extremamente difícil. A gente entra aqui e parece um blog simples, sem muito a oferecer, mas quando lê o que você escreve, percebe onde reside a imensidão. Aliás, onde realmente deve estar.

    Parabéns, Mi. Aprendi muito com você hoje!

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  3. Obrigada por me proporcionar essa leitura maravilhosa.
    Coisa linda demais! Parabéns Miih.

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  4. Realmente.
    Se as coisas durassem mais, correriam o risco de ficarem enjoativas. Tudo tem que ser vivido intensamente, pra proporcionar aquele tiquinho de alegria a cada lembrança.
    A duração dessas coisas boas, tão curta, é que as fazem especiais.

    Lindo texto, vou sempre passar por aqui.
    Beijos.

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  5. Adorei o texto, e, de fato, bateria do celular deveria durar mais.. hehe, mto bom!

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